Este texto é uma adaptação do artigo sobre wikinomia que a Tati Leite, fundadora da Benfeitoria, escreveu para o Projeto Draft.
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O olho vê,
a lembrança revê,
a imaginação transvê;
é preciso transver o mundo.
Manoel de Barros.
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Começar com poesia um texto sobre economia…
Não é só uma homenagem ao grande poeta, que nos deixou recentemente. É simbólico, como muitas das mudanças que estão acontecendo nessa nova economia que está transvendo o mundo: wikinomia.
Para entender a abrangência deste conceito, vale lembrar da origem da palavra ECONOMIA. Normalmente, pensamos em finanças e negócios quando ouvimos esse termo, mas a verdade é que “economia” é uma junção das palavras gregas que significam “casa” e “gestão”. Ou seja: uma nova economia é uma nova forma, modelo ou paradigma a partir do qual gerenciamos a nossa casa, o planeta e seus recursos — sejam eles financeiros, humanos, culturais, ambientais…
Então, quando falamos de Wikinomia, nos referimos a mudanças que vão além de novas formas de produção e consumo ou novas ferramentas tecnológicas. Estamos falando (ou melhor, vivendo) um novo paradigma. Uma verdadeira revolução na forma com que as pessoas se relacionam: consigo, com os outros, com o meio ambiente e com as coisas. Nos negócios, nas ruas e em casa.
COMO SURGIU?
Essa revolução, assim como a maioria das revoluções, ganha força a partir da consciência coletiva, que emerge após uma grande crise, a respeito da importância e da urgência de novos modelos. E a crise principal aqui não é financeira, social ou ambiental. É a crise por trás das crises: uma crise de valores. Nos damos conta agora que fomos criados para competir — e não para conviver.
Um exemplo quase bobo, mas emblemático disso são os jogos de tabuleiro mais vendidos no mundo: WAR é sobre guerra e Banco Imobiliário é sobre falir os adversários. Sim, não é sobre ficar muito rico. É sobre falir os outros. Está na regras:
Mas a nossa sorte foi que, neste caso, o despertar aconteceu em paralelo a uma evolução sem precedentes no barateamento e expansão do acesso à tecnologia, que derrubaram os custos (não só financeiros) de colaboração no mundo todo e permitiram que pessoas com valores e insatisfações em comum se unam para propor e adotar novos modelos, de muitos para muitos.
Modelos com fins positivos e, muitas vezes, meios lucrativos. Modelos que expandem os limites do que entendíamos ser possível: wikis, produtos compartilhados, financiamento coletivo, cultura livre, negócios sociais, inovação aberta, moedas alternativas, coworking, couchsurfing…
Nesse contexto, “ter” passa (ou volta?) a ser menos importante do que ser ou acessar, e “controlar” fica menos interessante do que compartilhar
Reconhecemos as ineficiências e restrições do sistema. Aprendemos que o mundo não é só feito de recursos escassos, mas também de recursos abundantes, que não se esgotam (ou até se multiplicam) com o uso, como a criatividade e as redes.
Nesse contexto, passamos a ter uma economia que trabalha para a vida — e não uma vida que trabalha para a economia.
WIKINOMIA VS. ECONOMIA COLABORATIVA
Não é fácil colocar tudo isso em caixinhas. Nem sempre há consensos sobre como usar este novo vocabulário.
Você pode questionar a opção por usar o termo “Wikinomia”, e não “Economia Colaborativa”, que é tão mais fácil e conhecido. Usamos “Wikinomia” no vídeo da Benfeitoria, na palestra do TEDx da Tati e no Reboot, o Festival de Wikinomia, essencialmente, por dois motivos:
1) Começa com Wiki.
Ou seja: assim como nossa amada Wikipedia, é colaborativo e pode ser evoluído por qualquer um. E é isso que fazemos. O termo foi cunhado por Don Tapscott (veja aqui o 1˚ TED dele sobre o assunto) e hackeado por nós, o que significa que nossa descrição de Wikinomia hoje é um pouco diferente diferente da original – e que, assim como a dele, evolui constantemente.
2) Vai além da Economia Colaborativa.
Sim: a colaboração também é um valor central para a Wikinomia — assim como a criatividade, já que para romper com dinâmicas antigas e inventar novas, precisamos sair da caixa, desafiar convenções e muitos dos pilotos automáticos. Mas o valor principal, aquilo que pode ser o pulo do gato para termos uma sociedade radicalmente (radical = que vem da raiz) melhor, é o CUIDADO. Esse é o novo paradigma.
Nesta palestra imperdível do TEDxAmazônia, Bernardo Toro fala sobre esse novo paradigma: “O cuidado, hoje, não é uma opção. Ou aprendemos a cuidar ou vamos todos perecer”.
E quando o cuidado é ainda mais importante que a colaboração, algumas das iniciativas que poderiam ficar de fora do selo da “economia colaborativa”, ganham relevância. Então, além dos ícones clássicos da economia colaborativa, a Wikinomia fala não só de modelos, mas também de valores, podendo também incluir iniciativas que não rompam com modelos antigos, mas que repensam a si mesmas neste novo paradigma.
Parece improvável, mas já há casos inspiradores nesse sentido, como a CVS, rede de farmácias americana que parou de vender cigarros “porque era a coisa a certa a ser feita”. Ou a Mercur, empresa brasileira produtora de borrachas, que descontinuou a venda da sua rentável linha Disney quando soube que era um dos principais motivos de bullying nas escolas.
Isso não significa que o McDonalds teria que descontinuar a venda de sanduíches para ser cuidadoso. Como diz Satish Kumar, fundador da Schumacher College, “everything has a place in its place” (tudo tem um lugar, no seu lugar). Ou seja: todos (ou quase todos) os produtos e serviços têm um espaço possível na nossa vida. A falta de cuidado não está em vender algo que não é necessariamente saudável, mas em querer induzir o consumo em uma quantidade muito acima do razoável.
Quando finalmente nos damos conta que cuidar do outro é cuidar da gente — e do todo —, passamos a agir no trabalho com os mesmos valores que agimos em casa e descobrimos que, ainda assim, é possível ser sustentável financeiramente. Ou melhor, descobrimos que por conta disso é possível ser sustentável no longo prazo.
Insistimos muito nesse ponto, pois temos a clareza de que, para termos a velocidade e a escala que precisamos nessa mudança, é essencial envolver todas as esferas sociais: cidadãos, empresas, academia e governos. Esta talvez seja a mudança mais radical dessa revolução: ela não tem inimigos.
Você pode escolher pular de cabeça ou esperar que ela chegue. Não existe opção errada. Aliás, nada disso é sobre certo ou errado ou sobre um novo modelo se impondo a outro. É muito mais sobre o que faz sentido para você.
E aí? O que te faz sentir?
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A poesia está guardada nas palavras — é tudo que
eu sei.
Meu fado é de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as
insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios.
Manoel de Barros.