Consciência Negra, reconhecimento de potência
Antes de se tornar um dia de muita reflexão, o 20 de Novembro sempre foi muito festivo na minha vida. Minha mãe faz aniversário nesse dia, então sempre tem mais água no feijão nessa data, pois receber pessoas é algo que aprendi desde cedo na família. Consciência Negra é ajô, palavra de origem iorubá que significa “juntar”. E é justamente isso que se estabelece em qualquer manifestação de matriz africana e afro-brasileira, unir as pessoas. Ninguém faz uma roda de samba pra sambar sozinho, ninguém faz uma roda de capoeira pra jogar sozinho, ninguém cozinha uma feijoada pra comer sozinho, o Candomblé, o Jongo ou qualquer outra expressão que tenha origem negra se faz sozinho.
A união é algo primordial e óbvio para quem é criado em ambientes matrilineares de quintais e terreiros. Comemos juntos, sofremos juntos, vencemos juntos, fracassamos juntos. Conceitos como privacidade e individualidade são menos importantes do que as relações e espaços de convivência. À luz do mundo moderno isso pode parecer muito ultrapassado, mas há muita riqueza na sabedoria que adquirimos com pessoas mais velhas. A Consciência não é coletiva por ser negra, ela é negra por ser coletiva. Os que vieram antes de mim lançaram as bases para evoluirmos ao ponto onde chegamos hoje, as gerações X e Y não inventaram a roda, e é arrogância demais não reconhecermos isso.
Na escola quando aprendemos sobre monarquia, a visão que nos é ensinada é a europeia. Luís XIV, Fernando de Aragão, César Bórgia, D. João, uma infinidade de monarcas que significam pouco ou quase nada para o aprendizado em história de matriz africana. Para os povos de matriz africana, as referências são outras: Oxóssi rei de Ketu, Xangô rei de Oyó, Oxaguiã, rei de Ifé, e tantos outros do panteão Iorubá que são desconhecidos pela maioria do povo brasileiro, ainda que mais da metade da população seja negra. Histórias que morrem na educação oficial, mas que estão vivas nas memórias subterrâneas.
O que isso tem a ver com financiamento coletivo? Muita coisa. O conceito de financiamento coletivo (muitas pessoas se reunindo para concluírem um determinado fim) é algo não só presente em todas as manifestações de matriz africana, como é o fôlego de vida de todas elas. Cada pessoa que contribui um pouco para que o almoço da família esteja na mesa, que a festa do filho seja um sucesso ou que a formatura da sobrinha traga alegria para a vizinhança é peça fundamental para solidificar os laços sociais, e isso não é criação das empresas de crowdfunding. A solidariedade é anterior a todo o processo de uma campanha de financiamento coletivo.
Mesmo com toda desigualdade, falta de oportunidades e perspectiva, estamos florescendo. Não é a ausência que nos define, e sim a potência, o legado de saberes e fazeres que trouxemos para esse país. Há um provérbio iorubá que diz: “ORÍ ENI NÍ UM’NI J’OBA” – A cabeça de uma pessoa faz dela um rei. E é nisso que está nossa esperança, e esperança não no sentido de esperar, mas de esperançar; de continuar a luta por um lugar melhor. Apenas começamos.
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