Em busca de sonhos pela metrópole

Este artigo foi escrito por Guilherme Karakida, caçador de impacto da Benfeitoria, a pedido da nossa equipe. Em junho de 2015, entrei para a rede de caçadores de impacto na Benfeitoria. A minha história com a plataforma de financiamento coletivo, porém, começou em novembro de 2014, quando financiei uma casa de emergência no valor de R$5.500 para o TETO. A Benfeitoria se destaca das outras plataformas por não aderir a uma lógica produtivista que se importa mais com quantidade do que com qualidade. Na plataforma, todo projeto precisa ter impacto coletivo e ser de interesse público, independente da área. A lógica é tudo ou nada. Isso significa que as metas devem ser atingidas para o realizador receber o dinheiro. Caso contrário, o dinheiro é estornado para todos os benfeitores – apoiadores do projeto. Outra característica que me atraiu – também quando a escolhi para arrecadar fundos para a casa de emergência – é ser uma plataforma de financiamento que não cobra comissão. Paga quem quiser e se quiser. A única taxa obrigatória é da Moip, integradora financeira responsável por todas as transações financeiras da Benfeitoria. Esse posicionamento da organização revela que o lucro não está acima do interesse de transformar a realidade. No início do ano, a Benfeitoria fez uma chamada para o programa de Caçadores de Impacto: uma rede de pessoas interessadas em todos esses assuntos que teriam a missão de buscar projetos interessantes e formatá-los para o financiamento coletivo. Ser caçador de impacto era uma oportunidade ao meu alcance de tirar projetos incríveis do papel por meio de um crowdfunding. Ao mesmo tempo, teria acesso a uma rede com a mesma motivação de popularizar o financiamento coletivo e com vontade de melhorar o mundo. Entrei com o propósito pessoal de encontrar iniciativas com potencial na metrópole, local que a Benfeitoria apresenta menos entrada e cujos indicadores sociais são mais baixos. Por trabalhar na Casa Fluminense, espaço de diagnóstico e proposta de políticas públicas para a metrópole do Rio, acumulei rede em territórios diversos, o que facilitaria o trabalho de mapeamento e interlocução. Descrever a experiência – curta, aliás – como caçador de impacto sem mencionar o Gomeia Galpão Criativo seria um erro. O primeiro espaço de coworking da Baixada Fluminense reunia pessoas que já faziam a diferença na Baixada Fluminense, região estigmatizada pela violência e pobreza. Esses atores trabalhavam em rede espontaneamente e estabeleciam parcerias no seu cotidiano. A ideia de trazer todo mundo para o mesmo telhado só oficializava uma dinâmica que acontecia naturalmente. Ao optarem por compartilhar o espaço, os custos diminuíam, a potência e as conexões se maximizavam e, por consequência, o impacto coletivo se ampliava. Faltava, no entanto, dinheiro para tornar possível essa vontade coletiva. Assim, no dia 1 de julho de 2015, entrei pela primeira vez no Gomeia e apresentei a Benfeitoria. Eles gostaram da proposta e avaliaram que havia alinhamento entre as duas organizações. Decidiram lançar o crowdfunding na mesma semana no valor de R$29.000,00 para uma pequena reforma no espaço. A meta, diga-se de passagem, era ousada porque a Baixada Fluminense não tem cultura enraizada de colaborações financeiras, o que tornava o desafio ainda maior. A campanha foi um sucesso. Teve feijoada, apoio massivo de organizações da sociedade civil e pessoas reconhecidas dos mais diversos setores que gravavam vídeos reforçando a importância da iniciativa. Para mim, a trajetória produziu aprendizados. O mais importante talvez seja que quando protagonistas do mesmo território se reúnem, com brilho no olho e mesmo objetivo, a probabilidade da mobilização ser bem-sucedida se multiplica. Aos poucos, esses protagonistas locais ressignificam a Baixada Fluminense como polo cultural criativo. A saga como caçador de impacto metropolitano continua. Mais projetos aparecerão ao longo do caminho e, com isso, novos aprendizados. Para a Benfeitoria, assim como para uma parte significativa das organizações, criar uma comunidade ativa e contínua segue como um dos principais desafios. Só sei que me sinto afortunado por estar participando de tudo isso e espero que esteja apenas começando.

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Por uma economia que sustenta a vida

Há pouco mais de um mês fui convidada para falar da Benfeitoria no Sustainable Brands Rio, um evento que reúne centenas de empresas interessadas em tornar-se mais sustentáveis, de forma inovadora. O tema do evento era “HOW NOW” (como fazer isso agora!) e minha palestra precisava ser sobre como as marcas poderiam se conectar com as necessidades da sociedade. Como podem ver abaixo, em vez de mergulhar em um ou dois cases da Benfeitoria, optei por falar sobre o que está por de trás de tudo que fazemos – e como esse pensamento poderia ajudar as empresas ali presentes a se tornarem mais sustentáveis, no curto e no longo prazo. As demais palestras do evento também estão disponíveis online gratuitamente para quem quiser assistir, mas queria aproveitar esse espaço para aprofundar (o tal do drillability ao qual me refiro na palestra) sobre a importância de trazermos grandes empresas e instituições tradicionais (inclusive governamentais) para dentro dessa “nova economia” que queremos fomentar. 1) TEMPO E ESCALA: não podemos nos dar ao luxo de esperar uma revolução apenas de baixo para cima. Ela está acontecendo, é poderosa e linda – a gente sabe, vive e fomenta muitas dessas manifestações diariamente -, mas como demonstra brilhantemente Jason Clay, vice-presidente da WWF, em sua palestra no TED “Como grandes marcas podem ajudar a salvar a biodiversidade”, usar o poder de grandes instituições a favor dessas transformações positivas que todos queremos (pelo menos todos que lêem esse blog, rs) é fundamental para trazer velocidade e escala para essa mudança. 2) KNOW-HOW: grandes empresas não chegaram onde chegaram por acaso. Elas desenvolveram um nível de profissionalismo incrível, em toda cadeira produtiva. Eu sei que a lógica predominante nesses organismos ainda é a de escassez (e é aí que acho que temos que trabalhar para mudar!). Mas sei também que uma mentalidade de abundância sem metodologia, muitas vezes gera desperdício (e desgate emocional) num nível ainda mais intenso do que cria abundância. Então acredito profundamente em parcerias que tragam mais profissionalismo para modelos conscientes e consciência para modelos “tradicionais”. Projetos que unem essas duas inteligências, além de gerar impacto pontual ao qual se propõem, acabam inspirando outras iniciativas com o mesmo modelo, como o Matchfunding Natura Cidades, que em breve será replicado para outros temas com outros agentes de fomento (entre eles, o próprio Sustainable Brands, como falado na palestra). 3) COERÊNCIA: se estamos lutando por uma sociedade mais humana e colaborativa, não podemos replicar a lógica excludente, maniqueísta e às vezes arrogante de achar que empresas e instituições tradicionais não podem ou não merecem se associar ao mundo colaborativo. Como diz Charles Eisenstein, nesse vídeo sobre seu documentário Occupy Love, “não é sobre os 99% contra 1%” – frase que inspirou minha palestra no TEDx, em 2012, por sinal. No fundo, empresas são feitas de pessoas. E esses profissionais são, na maioria das vezes, pessoas incríveis (e extremamente competentes!), que também estão insatisfeitas com o mundo e querem fazer algo para mudá-lo. 4) FAZ SENTIDO: com o avanço exponencial da consciência coletiva de que novos modelos de vida em sociedade são necessários, urgentes (e possíveis!), colocar o propósito no coração do negócio (core business) – e não de um projeto pontual e/ou à parte, como os departamentos de responsabilidade social, que muitas vezes legitimam a irresponsabilidade dos demais –, passa a ser um bom negócio, não “apenas” um negócio do bem.  Isso requer uma abordagem profunda (drillability) e disruptiva às novas demandas do mundo e pode ser um caminho legítimo, inteligente e sustentável para grandes empresas manterem sua relevância cultural no longo prazo – tanto entre público externo, como interno, já que o propósito é um dos três pilares da motivação no trabalho. Penso que marcas como Coca-Cola e Itaú, que se tornaram ícones do modelo vigente de capitalismo (com seus méritos e desméritos), têm a oportunidade (e responsabilidade!) de liderar um movimento robusto entre instituições de grande porte para a construção coletiva de um outro modelo: mais justo, sustentável, desejável – e viável. Pode parecer utopia nas minhas palavras, mas tenho acompanhado de perto evoluções significativas desse pensamento dentro da própria Coca-Cola (onde trabalhei por 8 anos) e de várias outras empresas nacionais e internacionais. Em um artigo recente que escreveu para a Folha, Xiemar Zarazúa, presidente da Coca-Cola no Brasil, afirmou: “não é suficiente financiar boas iniciativas econômicas ou sociais, que somam na periferia, mas não no DNA da empresa”. É disso que estou falando. Precisamos ir no DNA. E reconhecer isso é o primeiro passo. É claro que colocar o propósito verdadeiramente no centro do negócio não é um trabalho fácil nem rápido para uma empresa tradicional. Esse movimento requer intenção, atenção, (colabor)ação – e ousadia. Requer calma e, ao mesmo tempo, urgência. Requer CUIDADO AO AGIR. E é assim que, aos poucos, estamos cocriando esse caminho com vários outros empreendedores e intraempreendedores sociais… Faz sentido para você?

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Será que entendemos errado a Economia Colaborativa?

Este texto é uma tradução de um artigo escrito para o blog Agenda, do Fórum Econômico Mundial. O original (em inglês) está aqui. *** “A economia compartilhada sente falta de uma definição compartilhada”, diz a pesquisadora Rachel Botsman, e eu concordo. Termos como “economia compartilhada”, “nova economia” e “consumo colaborativo” são usados como sinônimos. Mas será que eles têm o mesmo significado? E mais importante: será que que significam a mesma coisa para todo mundo? Muito mais que compartilhamento Para mim, as melhores ferramentas para entender esses conceitos complexos (e confusos) são oferecidas pela própria Botsman, uma especialista no assunto. Ela diz que aquilo que a gente chama de “economia compartilhada” – bicicletas, casas, ferramentas, carros etc – é apenas uma parte do consumo colaborativo, que por sua vez é só um pedaço de um cenário maior. A transformação real é muito mais profunda do que apenas mudar a forma como consumimos. Também inclui a maneira de ensinar e aprender, projetar e produzir, interagir com outras pessoas e até a forma como nos relacionamos com o dinheiro. Não é apenas uma forma mais eficiente de fazer negócios e tirar vantagem de uma oportunidade de mercado, mas um novo paradigma, uma nova forma de enxergar as relações econômicas do nosso tempo. Este quebra-cabeça maior pode ser chamado de economia colaborativa, e é nisso que eu quero focar. Realidades diferentes Aqui no Brasil, a gente vive uma realidade que foi recebeu vários nomes nos últimos anos. Subdesenvolvido, Em Desenvolvimento, Terceiro Mundo… Escolha o seu preferido. Eu prefiro o termo “periférico” porque não estamos em um estágio intermediário do nosso desenvolvimento que vai naturalmente nos levar um patamar “desenvolvido” ao longo do tempo. Nós simplesmente não estamos no centro do debate. Não estamos definindo a pauta. Na verdade, estamos sendo definidos pela pauta mundial. Aqui, como em muitas outras realidades periféricas, a economia colaborativa emergiu em uma forma ligeiramente diferente, mas profundamente transformativa. Eu acredito que isso aconteceu exatamente porque vivenciamos o mundo através de uma perspectiva diferente. Se compararmos com os EUA e a Europa, berços desses – e muitos outros – modelos de negócios, fica óbvio que nós percebemos a crise mundial de uma forma bem distinta. crise e escala Deixe eu fazer uma pequena pausa aqui e dizer: sim, o mundo está em crise. Nós já vimos várias melhoras em diversas áreas, mas ainda estamos muito, muito longe de ser uma sociedade justa, harmoniosa e funcional. Dois bilhões de pessoas vivem com menos de dois dólares por dia, enquanto os 1% mais ricos concentram quase a mesma quantidade de riqueza dos outros 99% da população. Mais de 70% dos trabalhadores estão infelizes em seus trabalhos. Nós consumimos 50% mais recursos do que o ecossistema do nosso planeta é capaz de regenerar. No meu ponto de vista, essa crise é muito mais do que econômica. É sobre nossos valores, nosso estilo de vida. E é agigantada por um problema de escala. Imagine pegar 100 pessoas aleatórias e colocá-las em uma nave espacial indo a lugar nenhum, apenas flutuando no sistema solar com recursos limitados. Não parece muito lógico imaginar que essas pessoas competirão ferozmente pelos recursos ou tentarão estabelecer um sistema de crescimento infinito dentro da nave, certo? Bem… essa é exatamente a nossa situação. Nós vivemos em um pedaço de pedra – com lava derretida dentro! – vagando sem rumo pelo espaço, com um quantidade finita de recursos à nossa disposição. O problema está na escala. A nossa nave é tão grande que é impossível para cada indivíduo perceber (a) a distância entre as suas ações e as suas consequências e (b) a escala entre as suas ações e a soma de todas as ações individuais. Nós estamos nessa crise juntos porque compartilhamos a mesma casa. Já é hora de tratar essa nave e os passageiros um pouco melhor. mais próximos e mais conectados De várias formas, a economia colaborativa traz uma mentalidade de movimento – como brilhantemente explicado pelo australiano Jeremy Heimans, e comentado em outro artigo aqui no blog, no seu trabalho sobre O Novo Poder. Ele afirma que precisamos ser capazes de mobilizar multidões não apenas para consumir, mas para ser parte ativa em assuntos realmente importantes. Para isso, precisamos reduzir a escala das transações, projetos, decisões e financiamento de volta para o nível individual. Interações mais pessoais, comportamentos de compartilhamento e outras novas tendências trazem o objetivo final de tornar as pessoas mais próximas, mais conectadas e engajadas. Trazer a escala de volta para nossas mãos. É por isso que a economia colaborativa não é apenas sobre o compartilhamento de bens, mas sobre a distribuição de valores, ideias, poder e soluções para um futuro mais sustentável. A diferença é que nas nações periféricas nós vivemos esses problemas no nosso dia-a-dia. Não há como mascarar, varrer para debaixo do tapete. Em parte porque temos mecanismos piores para isso, em parte porque já estamos debaixo do tapete vendo o que o mundo varre para cá. Aqui, as ideias colaborativas são inseparáveis das ideias de igualdade social, responsabilidade ambiental e impacto positivo. As start-ups da economia colaborativa são criadas por empreendedores sociais. Elas nascem com um propósito na raiz, não apenas uma boa oportunidade de negócios. Valor Compartilhado e Negócio Social são parte comum do vocabulário desses inovadores. Meios de sobrevivência A ideia de plataformas online ajudando pessoas a se conectarem e compartilharem é um grande avanço. Eu realmente acredito que está melhorando o mundo em que vivemos. É uma revolução para muitos de nós, mas principalmente para aqueles que sempre tiveram acesso a muitos tipos de recursos. Nas favelas, a cultura do compartilhamento está enraizada na vida cotidiana. Quando você não tem muito, o seu maior recurso pode ser a rede de pessoas ao seu redor. Para essas comunidades, colaboração não é uma escolha, mas um meio de sobrevivência. Muitos dos conceitos que estamos discutindo e prototipando estão funcionando há décadas nestes lugares, simplesmente por necessidade. No Brasil, existe uma grande onda de pessoas procurando por propósito e fazendo uma transição para trabalhar na economia colaborativa….

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Lowsumerism: a onda do baixo consumo

Na semana passada, a agência de tendências Box 1824 lançou um vídeo chamado “The Rise of Lowsumerism” – algo como “A escalada do baixo consumo”. Você pode conferir o resultado abaixo. O vídeo traz algumas questões interessantes sobre a evolução da nossa forma de consumo, o papel da propaganda e as diferenças geracionais. Não há dúvidas de que chegou a hora de discutirmos os nossos padrões de vida e a forma como consumimos. O crescimento do movimento por alimentos orgânicos, o fortalecimento do consumo local, o surgimento de plataformas de trocas, a expansão da cultura maker e o surgimento de moedas sociais são sinais disso. O vídeo vem discutir apenas uma peça nesse quebra-cabeça: a responsabilidade crítica do consumidor como indivíduo que faz parte de uma comunidade maior. A ECONOMIA COLABORATIVA Em um certo momento do vídeo, o tema é a “sharing economy” – economia colaborativa, ou mais especificamente o que chamamos de economia compartilhada, mas não vale a pena entrar nos detalhes da terminologia aqui. Há também uma crítica ao modelo: “Embora a economia compartilhada pareça um passo a frente, ela não reduz de fato o nosso desejo de consumir” Vale notar dois pontos importantes. 1- Quando o vídeo fala em “sharing economy“, ele se refere especificamente a modelos de compartilhamento de bens materiais como carros, bicicletas, ferramentas e casas. A economia colaborativa é muito mais do que isso, mas para o objetivo do vídeo, ele foca apenas do consumo colaborativo, não no movimento como um todo. 2- Sim, o vídeo tem razão quando diz que esses modelos “não reduzem de fato nosso desejo de consumir”. Por outro lado, eles reduzem sim o consumo total e, em consequência, a produção de bens e o uso de recursos. Existem diversas críticas possíveis a estes modelos, mas o consumo colaborativo muda sim a forma como consumimos. O objetivo do vídeo porém – e isso fica claro neste segmento – é atacar o desejo do consumo, não o ato de consumir em si. O CRESCIMENTO ECONÔMICO Existe uma questão de fundo, não abordada diretamente no vídeo, que está no centro de todo o problema: o único modelo econômico vigente é o de crescimento infinito. Mas qualquer modelo de crescimento infinito em um ambiente finito – como o nosso planeta – é, por definição, insustentável a longo prazo. A única métrica que usamos atualmente para medir o sucesso de uma nação é o crescimento percentual do seu Produto Interno Bruto (PIB). Mas o PIB “mede tudo, menos o que faz a vida valer a pena“. Não mede prosperidade, felicidade geral, qualidade de vida. Ele mede apenas a quantidade de relações econômicas acontecendo em um país. Quanto mais consumirmos, maior será o PIB, maior será o crescimento. Por isso, a discussão acerca do consumo é tão importante no nosso momento atual. Mas ela não passa apenas pelo comportamento individual dos consumidores. Essa mudança de cultura é fundamental. Mas será que, como sociedade, estamos preparados para as consequências? As economias passariam por um desaquecimento, empregos seriam perdidos, haveria recessão em vários aspectos. Todo o nosso ambiente econômico foi criado para sustentar o consumo em massa e agora depende dele para sobreviver. Temos que consumir menos. Muito menos. Todos têm absoluta responsabilidade. Mas, para isso, temos que também mudar a forma como enxergamos nosso sucesso econômico e estruturamos as nossas relações de trabalho. E esta é uma questão muito mais profunda do que o simples ato de consumir. A LINGUAGEM Boa parte da crítica do vídeo se faz em cima da propaganda e a forma como essa ferramenta influenciou nossa cultura ao longo das últimas décadas. O curioso é perceber que essa crítica se utiliza da mesma linguagem publicitária para comunicar suas ideias. No livro O Ponto de Virada, Malcom Gladwell explica tendências de comportamento como epidemias que se espalham pela população seguindo o mesmo padrão de um vírus. Um dos elementos mais importantes é o que ele chama de Fator de Fixação, que é o poder que uma ideia, mensagem ou atitude tem de causar impacto em quem é “infectado”. Quanto mais alto o Fator de Fixação, mais forte é o “vírus”, ou seja, mais claramente a mensagem é percebida e “gruda” na mente das pessoas. O poder da linguagem publicitária é inegável. Tanto é assim, que a propaganda não só criou vários dos caminhos que nos trouxeram até essa crise de consumo, como nesse vídeo foi usada como mecanismo para sairmos dela. É uma discussão interessante. Einstein dizia que não se pode resolver um problema com o mesmo modelo mental que o criou. Mas será que nesse caso a melhor forma de atacar o poder da publicidade tradicional de gerar um consumismo desenfreado é usando a mesmíssima linguagem, porém com a mensagem oposta? Fica a reflexão.

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Faça o trabalho que você acredita, não aquele que você ama

Já virou clichê: um texto inspirador narrando como nascemos para fazer aquilo que a gente ama. Devemos largar o emprego, respirar fundo, tomar coragem e começar uma aventura trabalhando com o que nos traz felicidade profunda. E isso tudo pode ser, sim, verdade. Simplesmente não vale a pena usar a maior parte do nosso tempo em uma coisa que não nos dá prazer. O que me intriga, porém, não são as pessoas que não gostam do seu trabalho, sim as pessoas que não acreditam nele. Seja por não acreditarem no produto (ou serviço) que oferecem ao mundo, seja por não acreditar na forma como aquilo é oferecido. Temos um exército de pessoas que aceitam a ideia de que o mundo do trabalho é isso aí mesmo, que as relações entre pessoas e empresas funciona assim e que a gente deve trabalhar para quem nos oferece as melhores condições, sem traçar qualquer conexão entre o nosso trabalho e as consequências que a empresa traz para o mundo, boas ou ruins. Mas existe muita ideologia por trás do discurso de que o trabalho não é ideologia. Quando a gente aprende que trabalho é trabalho, lazer é lazer, política é política e essas são todas dimensões separadas da vida, estamos nos adequando a uma narrativa meticulosamente construída. O trabalho que você faz molda o mundo que você vive. Por isso, escolha um trabalho que você acredita, não necessariamente um que você ama. Se der para juntar as duas coisas, perfeito! Mário Sérgio Cortella, grande filósofo brasileiro, tem uma linda palestra na qual ele narra a sua experiência como secretário de educação em São Paulo. “No andar onde eu trabalhava tinha uma cozinha onde ficava a Dona Maria, que fazia café para servir no gabinete do secretário.”, ele conta. “Sabe o que Dona Maria achava que fazia ali?” A resposta não poderia ser mais simples: “Café.” Como secretário, Cortella fazia muitas visitas oficiais em escolas que estavam sendo inauguradas. Eventos que tinham banda, comida, comemoração, faixa sendo cortada, crianças cantando em coro… Ele então deicidiu mudar a lógica: passou a levar os servidores do dia-a-dia para essas visitas, não os seus assessores políticos. Dona Maria foi a primeira. “De repente ela entendeu que o que ela fazia na secretaria de educação não era café. Era educação.” Esse pensamento simples transformou o trabalho na secretaria. Quando separamos aquilo que nós fazemos como indivíduos daquilo que estamos ajudando a construir, o resultado é muito perigoso. Desumanizamos o trabalho. Enquanto a gente se adequar e fechar o nariz para as coisas erradas que as empresas fazem – seja na sua cadeia de produção, seja na relação com o meio ambiente, seja na forma como trata os seus funcionários – estaremos compactuando com isso. Talvez até pior: estaremos ajudando isso tudo a acontecer. Eu não estou sugerindo aqui que é fácil encarar o patrão, estufar o peito e se impor. Não estou dizendo que as relações de trabalho dão sempre esse tipo de abertura. Por outro lado, acredito sim que a gente subestima o nosso potencial transformador quando estamos dentro de uma organização. Pessoas simples fazendo coisas pequenas em lugares pouco importantes, geram mudanças extraordinárias. Também não espero que essa postura seja escrita em pedra. Cada momento de vida pede uma resposta. O que é inegociável para você hoje? Pode ser que amanhã isso mude. Um trabalho que você acredita não necessariamente precisa ter o objetivo de salvar o mundo. Se você quer vender chocolate, ser DJ ou dirigir um táxi, ótimo! Como esse trabalho impacta a sua vida e a de outros – ao seu lado ou bem longe de você – é o ponto que merece pelo menos uma reflexão crítica. Isso tudo não vem sem contradições. E muitas vezes a linha é muito tênue. Onde está o limite? Em geral é uma pergunta bastante pessoal. No que você acredita? Particularmente, eu não acredito na indústria das armas. Para mim, é um produto que não faz sentido como produção e comercialização em massa e eu nunca usaria meu esforço, minha energia e criatividade para vendê-lo. Não quero trabalhar com essas empresas. Mas essa é a minha cabeça. Tenho um grande amigo que faz parte de clube de tiro, adora armas e pratica tiro esportivo sempre que pode. Talvez ele adorasse fazer um projeto com esse pessoal. E eu não vou julgá-lo por isso. No final das contas, as escolhas estão dentro de cada um. O mais importante é ter uma visão crítica sobre aquilo que estamos construindo. Seu trabalho é também o seu legado. Se é para aceitar ou se adequar a alguma coisa, que essa seja pelo menos uma decisão consciente. O piloto automático é a armadilha. O mundo certamente seria um lugar melhor se o que a gente faz fosse mais alinhado com o que a gente acredita, mesmo que eu e você acreditemos em coisas diferentes. “A vida é muito curta para ser pequena.”, dizia Benjamin Disraeli. — PS: algumas discussões interessantes surgiram depois da publicação do post e, com elas, aquela ansiedade de não ter abordado certos aspectos, não ter conseguido aprofundar em outros… Esse texto não tem o intuito de cobrir todas as questões, mas de servir de provocação e gerar uma discussão sobre o tema. E eu vou ter que conviver com o fato de não ter falado sobre isso ou aquilo.

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Uma breve história da cultura livre

Remix Manifesto Vamos começar a contar esta história falando sobre o Manifesto do Remix, criado por Brett Gaylor, Lawrence Lessig e outros colaboradores e apresentado no filme “RIP: A Remix Manifesto” em 2007. O manifesto, que fala sobre criação e distribuição de cultura, se sustenta em quatro pilares: 1. A cultura sempre se constrói do passado; 2. As forças do passado sempre tentam controlar o futuro; 3. Nosso futuro está se tornando menos livre; 4. Para construir sociedades livres, é necessário limitar o controle do passado. Ou seja… Toda produção cultural se baseia em algo que veio antes, mas os autores, produtores e distribuidores tentam controlar o uso das obras atuais como forma de inspiração para obras futuras. Um belo de um paradoxo. Com isso, ao restringir o uso do passado para construir o futuro, a nossa sociedade vai se tornando menos livre. Vale a pena ver a excelente série “Everything Is A Remix“, que explora com mais detalhes como as ideias se espalham, se modificam, se multiplicam e como tudo que a gente está construindo hoje é fundamentalmente feito em cima do que foi feito antes. Um novo conceito Agora sim, começando a história do começo. Em 1985, Richard Stallman expressou pela primeira vez o conceito de “software livre” em um manifesto que deu origem à Free Software Foundation. Naquele momento, pareceu óbvio para ele e seus colaboradores que um programa de computador não podia ser pensado com as mesmas restrições das coisas materiais. Afinal, eles podem ser copiados de um lado para o outro sem que ninguém perca nada com isso. Se você compartilha uma maçã, cada pessoa fica com uma parte, mas se você compartilha um software, todo mundo termina com o programa completo. Com isso, ele introduz o conceito. As coisas poderiam ser diferentes neste novo mundo de computadores. O conhecimento podia ser mais livre. Começam a ser criados, então, os mecanismos que permitem que o mundo dos softwares se torne, ao menos em parte, colaborativo. Em pouco tempo começam a surgir as licenças que permitem que o autor comunique aos usuários que tipo de uso deseja liberar para a sua obra. O mundo do software – ou uma parte dele – começa a se distanciar do mundo das coisas materiais. Um conceito expandido Em 2004, Lawrence Lessig – um dos criadores do Manifesto do Remix – lança o livro Cultura Livre, que tem o provocador subtítulo “como a grande mídia usa a tecnologia e a legislação para trancar a cultura e controlar a liberdade”. Ele expande o conceito de software livre, criado quase vinte anos antes, para todos os ramos da produção cultural humana. Lessig é o fundador do Creative Commons (CC), instituição que promove em todo o mundo a livre criação, circulação e distribuição de conteúdo, como músicas, filmes e livros. O CC cria e mantém licenças que, assim como as de software, permitem que autores comuniquem ao público de que forma pretendem que suas obras sejam usadas. Mas, nesse caso, as licenças são abrangentes e podem incluir todo tipo de manifestação cultural. Mais ou menos na mesma época, a bilionária indústria fonográfica era virada de cabeça-para-baixo com o compartilhamento de músicas online. As gravadoras e seus aliados tentaram barrar a tecnologia, criar legislações, processar criminalmente pessoas comuns, mas no fim tiveram que se adaptar. Muitos músicos conheceram as ideias de Lessig e se adaptaram primeiro. Em 2007, a banda RadioHead rompeu com a gigante EMI para lançar seu álbum In Rainbows online, em um sistema onde o usuário podia escolher quanto queria pagar pela música. Muitos músicos seguiram o exemplo nos anos seguintes e a indústria se transformou. Tendência Mundial Nos últimos anos, projetos livres, abertos e colaborativos vêm ganhando uma força inimaginável com a internet no mundo todo. As mudanças atuais nas estruturas de poder – assunto de outro post aqui no blog – têm muito a ver com as ideias construídas décadas antes, que continuam em plena ebulição. Hoje, a cultura livre não é mais assunto de gueto. Essa narrativa vem ganhando relevância, repercussão e profundidade. Continua sendo evoluída na ponta, nos projetos locais, mas é discutida no Fórum Econômico Mundial e na ONU. O estudo de redes explodiu no meio acadêmico e a noção de comunidade invadiu o mundo empresarial. A noção de que o conhecimento pode ser mais livre traz outras consequências muito além da produção e distribuição de conteúdo. A pesquisadora australiana Rachel Botsman criou o Collaborative Lab para estudar especificamente o que chama de “consumo colaborativo”. Ela percebeu uma tendência da nossa sociedade, que está migrando de um sistema de hiperconsumo para um consumo compartilhado. Hoje, porém, os estudos do laboratório já vão muito além. O próprio consumo colaborativo já é apenas uma parte do quebra-cabeça. A verdadeira revolução está na forma como as pessoas se relacionam, aprendem, produzem, fazem negócios e até como lidam com o dinheiro. O surgimento das redes sociais não é coincidência. A explosão do financiamento coletivo também não. E agora? A coisa cresceu tanto – e tão rápido – que até o Jornal Nacional já fez uma série de matérias sobre a economia colaborativa. A grande polêmica da vez é o Uber – que de colaborativo não tem nada – e sua guerra com os táxis. Até alguns partidos políticos vêm percebendo cada vez mais a força de um discurso mais aberto e participativo. O fato de esse discurso ter alcançado o centro dos assuntos ajuda na disseminação dos conceitos para uma massa maior de pessoas. Ajuda a colocar as ideias “na boca do povo”. Por outro lado, traz um risco. Instituições que não trabalham a favor desses valores se apropriam do discurso para parecer o que não são. Foi mais ou menos o que aconteceu com o discurso da sustentabilidade nos últimos anos. É uma discussão interessante, mas esse é assunto para outro post. Ainda existe uma outra questão a respeito da pirataria, sobre como remunerar geradores de conteúdo se tudo for compartilhado livremente. Alguns modelos interessantes surgem, mas ainda são ligeiramente pontuais e até experimentais. A única certeza é que as mudanças continuarão acontecendo em ritmo acelerado. Novas ferramentas vão permitir novas formas de interação, novas redes que vão construir ferramentas ainda…

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O novo poder

“Todos sentimos que o poder está mudando ao redor do mundo. Vemos um aumento nos protestos políticos, uma crise de representação e governança, e novos negócios desbancando mercados tradicionais. Mas a natureza destas mudanças tende a ser fortemente romanceada ou perigosamente subestimada.” É assim que Jeremy Heimans começa o seu artigo sobre o Novo Poder (em inglês), na Harvard Business Review. O texto, que se desdobrou em uma palestra no TED, descreve uma transição radical que vem acontecendo, tanto nos modelos de negócio quanto nos valores associados aos próprios negócios. Segundo Heimans, o “velho poder” é como uma moeda: quando obtido, deve ser guardado e protegido. O “novo poder”, por outro lado, é como uma corrente: flui criando conexões e só faz sentido quando tem a participação de muitos. Todo esse papo teórico tem muito a ver com a Benfeitoria. A gente nasceu em 2011 como um negócio social que queria fomentar uma cultura de realização mais colaborativa, mais criativa e mais cuidadosa. Assim, a Benfeitoria só faz sentido quando é feita de muitos para muitos, quando não impõe barreiras ou gargalos – mas cria conexões e potencializa talentos. Modelos e valores Jeremy separa a classificação deste novo poder em duas partes: modelos e valores. É fundamental entender profundamente estes dois conceitos para começar a consolidar a ideia de um tipo diferente de poder. Existem outras dimensões e classificações possíveis, mas essa cobre a maioria das questões relevantes – pelo menos até este momento. Modelos Os modelos de novo poder são aqueles que dependem da mobilização da multidão e da coordenação autônoma de grupos articulados. Sem participação, são apenas barcos vazios. Enquanto velhos modelos crescem em cima daquilo que se possui ou controla – a famosa vantagem competitiva – estes novos modelos emergem pela sua capacidade de engajamento, mesmo que momentâneo e esporádico. Velhos modelos pedem pouco mais do que consumo, enquanto os novos se baseiam em outros comportamentos, como: Produção: criação de conteúdo autoral e distribuição em comunidades abertas Polinização: compartilhamento aberto do conteúdo produzido por outros para que alcancem mais pessoas Aperfeiçoamento: adaptação do conteúdo alheio para uma nova mensagem ou linguagem (como este post 🙂 ) Financiamento: responsabilização coletiva pela sustentabilidade financeira de projetos Co-propriedade: apropriação coletiva de um conteúdo ou plataforma Valores O aparecimento de novos modelos permite que o poder flua de uma maneira diferente. Mas existe uma mudança mais sutil e talvez mais profunda: as pessoas pensam e sentem o poder de forma diferente. Entre os mais engajados com o novo poder – especialmente os jovens – existe uma crença fundamental: todos temos o direito inalienável de participar. Com isso, negócios, movimentos, projetos, partidos e coletivos precisam estar baseados em valores diferentes, que vão emergindo ao longo do processo de amadurecimento. Alguns deles são: Governança: processos informais, abertos e participativos de tomada de decisão em rede Colaboração: ênfase na cooperação entre indivíduos, não na competição entre eles Autonomia: adoção da ética do faça-você-mesmo, sem burocracias e especialistas Transparência: radicalização da transparência em todos os níveis Relacionamento: afiliação mais fácil e rápida, porém muitas vezes mais curta e descontínua A bússola do novo poder Até aqui, você deve estar imaginando que o novo poder é uma evolução natural. Novos modelos são “destravados” por novas tecnologias e, com isso, puxam o fortalecimento dos valores. Na prática, as coisas não andam juntas de forma tão clara e amarrada. Existem iniciativas que utilizam novos modelos, mas atuam com velhos valores. Por outro lado, existem iniciativas que pregam novos valores, mas que estão ancoradas em modelos antigos de produção e consumo. A bússola é um ótimo exercício para tentar mapear as diferentes iniciativas e os seus relacionamentos com o novo poder. Castelos: organizações que focam na centralização de informações e no controle das interações Conectores: se utilizam dos poderes das redes em seu modelo, muitas vezes através da tecnologia, mas cultivam velhos valores Líderes de torcida: modelos de negócio tradicionais, em geral ligados à indústria, mas com visões e valores disruptivos Comunidades: a expressão mais “pura” do novo poder, valorizando modelos e valores não-tradicionais Um ponto muito importante é entender que o novo poder não é inerentemente bom. Para muitos, principalmente quem está trabalhando nessa nova economia, as comunidades são do bem, enquanto os castelos são do mal. Os líderes de torcida e os conectores ainda estariam buscando seu caminho… Isso não necessariamente é verdade. O novo poder carrega fragilidades e não é uma transição fácil, muito menos óbvia. O máximo que dá para dizer é que alguns se adaptaram melhor ao mundo contemporâneo. Mas certamente ainda há espaço para modelos antigos que sobrevivem muito bem nesse paradigma. cultivando o novo poder Todo mundo percebe no dia-a-adia que o poder está realmente mudando. O fato de todas as empresas precisarem de uma página no Facebook ou no Twitter mostra isso. Mas o que estamos falando vai muito além disso. E a real mudança ainda é entendida por poucos. Colocar um nível maior de interação – a partir de mídias sociais e outros canais – é bem diferente de repensar as bases de uma organização. Estamos vendo um novo paradigma, uma nova maneira de enxergar as organizações e, para mergulhar de fato nessa revolução, são necessários três passos fundamentais, segundo Jeremy Heimans. Entenda seu poder O primeiro exercício para entender como você se coloca nesse novo paradigma é colocar sua instituição na bússola do novo poder. Coloque seus parceiros, iniciativas que você admira, outras que competem com você pela atenção do público. Quanto mais você entender o seu posicionamento e relacioná-lo aos outros, melhor vai entender onde você está no quadro, onde quer estar e como chegar lá. Mas vá além disso. Converse com outras pessoas para entender como elas enxergam a sua organização. Como elas te colocariam na bússola? Como elas percebem seu próprio poder? Será que as visões e expectativas dentro da sua própria iniciativa estão alinhadas? Faça disso um exercício contínuo e coletivo. Ocupe-se Esta é uma tradução ruim para “occupy yourself”. O movimento Occupy, que levou milhões de pessoas para praças ao redor do mundo para discutir novos modelos de sociedade, deu força para o trabalho de ativistas e visibilidade para questões estruturais do sistema que passavam despercebidas aos olhos de muitos. Agora imagine…

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O nosso DNA

A Benfeitoria nasceu em 2011 a partir de algumas insatisfações, um bocado de crenças e um mooonte de ideias malucas. Podemos destacar três pensamentos principais como a base do que hoje é essa coisa que chamamos de Benfeitoria. 1- Barreiras de engajamento Na sua apresentação no TEDx Toronto, Dave Meslin faz uma pergunta: “Por que as pessoas não se engajam?” Muitas vezes a gente ouve que os outros são preguiçosos, egoístas ou simplesmente idiotas demais para mudar alguma coisa. Mas o Dave não acredita nisso, e nós também não. O que ele diz é que existem barreiras de engajamento. Ou seja, o motivo das pessoas não se engajarem nas causas que fazem sentido para elas, é a existência de falhas de comunicação, excesso de burocracia ou dificuldades nas conexões. A Benfeitoria então atua nesta questão: queremos reduzir as barreiras que impedem as pessoas de fazerem a diferença. 2- A ética do cuidado Bernardo Toro diz que estamos em um momento de transição no nosso mundo e que, para que a gente continue vivendo neste planeta de uma maneira minimamente harmônica, precisamos mudar do paradigma do sucesso para o paradigma do cuidado. Precisamos aprender a cuidar de nós mesmos, a cuidar dos outros e do ambiente. Precisamos ter a coragem de pedir ajuda, de trabalhar juntos. Precisamos deixar a busca por ser o maior, o mais bonito, o mais inteligente, o mais forte. A Benfeitoria tem no centro de tudo que faz essa ideia. O cuidado é a raiz de todas as ações. 3- Motivação e propósito Outro cara que nos inspirou muito foi o Dan Pink, na sua apresentação sobre o que nos motiva. Ele diz que existem basicamente três fatores que nos motivam a seguir em frente: > Autonomia: a possibilidade de ser protagonista das suas ações > Domínio: a oportunidade de aprender, melhorar e se tornar realmente bom naquilo que se faz > Propósito: a percepção de que o trabalho está alinhado com os seus valores pessoais e aquilo que você quer para o mundo Com isso em mente, a Benfeitoria nasce para ser um ambiente de trabalho que pensa, antes de tudo, nas pessoas e no propósito. Tudo é sobre valores. Tudo é sobre o mundo que queremos construir. Em cima desses três pilares, a Benfeitoria deixou de ser uma ideia e ganhou vida. Ela veio ao mundo como um negócio social focado em fomentar uma cultura mais realizadora no Brasil. Um espaço de conexões, de troca, de aprendizado, de experimentação. Tudo isso é profundamente ancorado em três valores: CUIDADO || CRIATIVIDADE || COLABORAÇÃO Criamos experimentos que permitam que as pessoas experimentem esses valores na prática, no dia-a-dia. Esperamos que, assim, a gente consiga construir juntos um mundo melhor. Esse é o DNA da Benfeitoria. Hoje a gente faz financiamento coletivo, financiamento recorrente, festival de wikinomia, concurso de ideias para a cidade, cursos e muitas outras coisas. Mas, no fundo, tudo isso são apenas maneiras de colocar na prática aquilo que a gente acredita de verdade.

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Essa tal de wikinomia

Este texto é uma adaptação do artigo sobre wikinomia que a Tati Leite, fundadora da Benfeitoria, escreveu para o Projeto Draft. ***** O olho vê, a lembrança revê, a imaginação transvê; é preciso transver o mundo. Manoel de Barros. ***** Começar com poesia um texto sobre economia… Não é só uma homenagem ao grande poeta, que nos deixou recentemente. É simbólico, como muitas das mudanças que estão acontecendo nessa nova economia que está transvendo o mundo: wikinomia. Para entender a abrangência deste conceito, vale lembrar da origem da palavra ECONOMIA. Normalmente, pensamos em finanças e negócios quando ouvimos esse termo, mas a verdade é que “economia” é uma junção das palavras gregas que significam “casa” e “gestão”. Ou seja: uma nova economia é uma nova forma, modelo ou paradigma a partir do qual gerenciamos a nossa casa, o planeta e seus recursos — sejam eles financeiros, humanos, culturais, ambientais… Então, quando falamos de Wikinomia, nos referimos a mudanças que vão além de novas formas de produção e consumo ou novas ferramentas tecnológicas. Estamos falando (ou melhor, vivendo) um novo paradigma. Uma verdadeira revolução na forma com que as pessoas se relacionam: consigo, com os outros, com o meio ambiente e com as coisas. Nos negócios, nas ruas e em casa. COMO SURGIU? Essa revolução, assim como a maioria das revoluções, ganha força a partir da consciência coletiva, que emerge após uma grande crise, a respeito da importância e da urgência de novos modelos. E a crise principal aqui não é financeira, social ou ambiental. É a crise por trás das crises: uma crise de valores. Nos damos conta agora que fomos criados para competir — e não para conviver. Um exemplo quase bobo, mas emblemático disso são os jogos de tabuleiro mais vendidos no mundo: WAR é sobre guerra e Banco Imobiliário é sobre falir os adversários. Sim, não é sobre ficar muito rico. É sobre falir os outros. Está na regras: Mas a nossa sorte foi que, neste caso, o despertar aconteceu em paralelo a uma evolução sem precedentes no barateamento e expansão do acesso à tecnologia, que derrubaram os custos (não só financeiros) de colaboração no mundo todo e permitiram que pessoas com valores e insatisfações em comum se unam para propor e adotar novos modelos, de muitos para muitos. Modelos com fins positivos e, muitas vezes, meios lucrativos. Modelos que expandem os limites do que entendíamos ser possível: wikis, produtos compartilhados, financiamento coletivo, cultura livre, negócios sociais, inovação aberta, moedas alternativas, coworking, couchsurfing… Nesse contexto, “ter” passa (ou volta?) a ser menos importante do que ser ou acessar, e “controlar” fica menos interessante do que compartilhar Reconhecemos as ineficiências e restrições do sistema. Aprendemos que o mundo não é só feito de recursos escassos, mas também de recursos abundantes, que não se esgotam (ou até se multiplicam) com o uso, como a criatividade e as redes. Nesse contexto, passamos a ter uma economia que trabalha para a vida — e não uma vida que trabalha para a economia. WIKINOMIA VS. ECONOMIA COLABORATIVA Não é fácil colocar tudo isso em caixinhas. Nem sempre há consensos sobre como usar este novo vocabulário. Você pode questionar a opção por usar o termo “Wikinomia”, e não “Economia Colaborativa”, que é tão mais fácil e conhecido. Usamos “Wikinomia” no vídeo da Benfeitoria, na palestra do TEDx da Tati e no Reboot, o Festival de Wikinomia, essencialmente, por dois motivos: 1) Começa com Wiki. Ou seja: assim como nossa amada Wikipedia, é colaborativo e pode ser evoluído por qualquer um. E é isso que fazemos. O termo foi cunhado por Don Tapscott (veja aqui o 1˚ TED dele sobre o assunto) e hackeado por nós, o que significa que nossa descrição de Wikinomia hoje é um pouco diferente diferente da original – e que, assim como a dele, evolui constantemente. 2) Vai além da Economia Colaborativa. Sim: a colaboração também é um valor central para a Wikinomia — assim como a criatividade, já que para romper com dinâmicas antigas e inventar novas, precisamos sair da caixa, desafiar convenções e muitos dos pilotos automáticos. Mas o valor principal, aquilo que pode ser o pulo do gato para termos uma sociedade radicalmente (radical = que vem da raiz) melhor, é o CUIDADO. Esse é o novo paradigma. Nesta palestra imperdível do TEDxAmazônia, Bernardo Toro fala sobre esse novo paradigma: “O cuidado, hoje, não é uma opção. Ou aprendemos a cuidar ou vamos todos perecer”. E quando o cuidado é ainda mais importante que a colaboração, algumas das iniciativas que poderiam ficar de fora do selo da “economia colaborativa”, ganham relevância. Então, além dos ícones clássicos da economia colaborativa, a Wikinomia fala não só de modelos, mas também de valores, podendo também incluir iniciativas que não rompam com modelos antigos, mas que repensam a si mesmas neste novo paradigma. Parece improvável, mas já há casos inspiradores nesse sentido, como a CVS, rede de farmácias americana que parou de vender cigarros “porque era a coisa a certa a ser feita”. Ou a Mercur, empresa brasileira produtora de borrachas, que descontinuou a venda da sua rentável linha Disney quando soube que era um dos principais motivos de bullying nas escolas. Isso não significa que o McDonalds teria que descontinuar a venda de sanduíches para ser cuidadoso. Como diz Satish Kumar, fundador da Schumacher College, “everything has a place in its place” (tudo tem um lugar, no seu lugar). Ou seja: todos (ou quase todos) os produtos e serviços têm um espaço possível na nossa vida. A falta de cuidado não está em vender algo que não é necessariamente saudável, mas em querer induzir o consumo em uma quantidade muito acima do razoável. Quando finalmente nos damos conta que cuidar do outro é cuidar da gente — e do todo —, passamos a agir no trabalho com os mesmos valores que agimos em casa e descobrimos que, ainda assim, é possível ser sustentável financeiramente. Ou melhor, descobrimos que por conta disso é possível ser sustentável no longo prazo. Insistimos muito nesse ponto, pois temos a clareza de que, para termos a velocidade e a escala que precisamos nessa mudança, é essencial envolver todas as esferas sociais: cidadãos, empresas, academia e governos. Esta talvez seja a mudança mais radical dessa revolução: ela não tem inimigos. Você pode escolher…

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